Introdução
Este texto, por ocasião da homenagem
realizada a Sérgio Abreu no III Festival Leo Brouwer, dispensa os comentários
biográficos que estão amplamente divulgados, bem como as apresentações da
carreira e do legado das gravações que ainda influenciam gerações de
violonistas e músicos no Brasil. Pretendemos abordar seu legado como fruto de
uma pesquisa acadêmica; como tal, o impacto de sua obra precisa ser discutido no
contexto do sentido da obra de arte, de sua constituição profunda, de suas
implicações históricas e, por que não dizer, ontológicas. Isso equivale a
dizer, sem exageros de homenagem, que a contribuição de Sérgio Abreu como
violonista abalou os fundamentos da compreensão ordinária que temos do violão,
da sua história, da abordagem da tradição musical ligada a esse instrumento e da
arte interpretativa em seu sentido mais abrangente. A forma como nos
aproximamos desse verdadeiro divisor de águas na história do violão é através
da indicação formal da hermenêutica, corrente da filosofia que acreditamos ter
muito a contribuir para a compreensão da herança histórica e da poética
musical. As gravações de Sérgio Abreu são o norte deste texto, mesmo que por
vezes a contribuição da filosofia hermenêutica de Gadamer e Heidegger pareçam
tomar a cena. A justificativa desse apelo à filosofia vem de dois pontos:
primeiro, da idéia de que repensar qualquer atividade a partir de seus
fundamentos já é sempre filosofia; segundo, que diante de acontecimentos que
abalam profundamente nossa compreensão desses fundamentos, o senso comum não
parece ser suficientemente explicativo. Sérgio Abreu é, fora de qualquer
dúvida, um desses acontecimentos.
Poética e técnica
Como já temos discutido em nossos
trabalhos baseados no debate atual da musicologia, a poética não é um mero
enredo de imagens (ou seja, visualizações) extra-musicais com a intenção de dar
o que imaginar (ou seja, conjurar visões imaginadas) ao intérprete enquanto
"executa" (ou ao ouvinte enquanto "escuta") a música; a
poética, no contexto de nossa discussão, não é um passatempo da mente que
aciona estados de disposição, dirigindo os crescendos,
decrescendos, rubatos e respirações do intérprete, guiando a atividade perceptiva
do ouvinte e as seleções que a escuta pode fazer. Não é um conjunto de
impressões gerativas da obra a serem transmitidas com maior ou menor sucesso ao
ouvinte. Também não é uma transposição do estado de devaneio do tipo evocado
pela literatura e pela poesia romântica, que de devaneio, especialmente a
poesia, não tem nada.
A poética é, antes de tudo, uma idéia
que pertencia ao mundo do pensamento na Filosofia da antiga Grécia. A ela
Aristóteles se lançava rumo à obra do discurso filosófico quando se referia a
um momento muito peculiar da criação inteligente. Esse momento nunca deixou de
chamar a atenção da filosofia, mas na fase nascente do pensamento sistematizado
da cultura ocidental essa atenção ainda não estava sob o domínio da
especialização filosófica chamada Estética. Falamos hoje do tempo de pensadores-poetas
e poetas-filósofos. Como se pode pensar então a poética no caminho de um
pensamento voltado para o material presente, seja ele a palavra, a imagem, a
narrativa, o som, o conceito ou o conceito-som, agora que o desenvolvimento das
disciplinas nos força quase que a um afastamento, dividindo-as em "práticas"
e "teóricas"? Talvez esse afastamento seja o primeiro sinal de uma
aproximação possível, e a criação profunda, tanto em um campo quanto em outro, nos
convida ao concerto[1] da
filosofia com a arte.
Ao conjunto de concepções de que um
artesão/artista lança mão no momento de formar seu construto artístico, isto é,
de produzir sua obra, a esse esforço é que era dado o nome de poiesis, a produção, o produzir
consciente de sua tekné. A poética
lida diretamente com os aspectos artesanais da criação artística, os meandros
particulares da medida de sua construção advinda de uma convivência que
determina essencialmente a vida do artista. A poética demarca o campo da lida
com a tekné, que é o modo de ver o
material com que se trabalha e as possibilidades de pensar sobre esse material
com visando à produção de uma obra de arte que deve ser autônoma e independente
da vida de seu autor. Estamos aqui muito longe de uma sugestão imagética alheia
ao material específico de que cada arte é feita, como se aprendeu depois a
ouvir as traduções da palavra "poiésis":
um claro exemplo de traição do sentido pleno de uma expressão por meio da
tradução.
Sérgio Abreu: abordagem originária da idéia
de uma técnica violonística
Ainda ressoa em nossos ouvidos esse
sentido que se tornou a própria necessidade da técnica para a arte, ainda salta
aos nossos olhos a firmeza e a consistência técnica de nossos melhores músicos,
a regularidade e a direcionalidade firme das passagens escalares da famosa
gravação de Sérgio Abreu da Sonata de Paganini. Ressoa na palavra agora recém-descoberta
tekné a sequência igualmente
exuberante de terças do estudo op. 6 n. 6 de Sor, que o padrão técnico
estabelecido por Sérgio e também por Eduardo Abreu parece ter retirado do
repertório dos violonistas "normais". Diante dessas gravações,
qualquer outra abordagem parece apenas expor as fragilidades
"técnicas" dos outros violonistas. O registro de Eduardo Abreu é anterior,
algo mais lento do que a gravação de seu irmão mais velho. Mas é igualmente clara
a direcionalidade melódica das frases, proporcionada por um controle
sutilíssimo das gradações de dinâmica que mantêm a abordagem interpretativa dentro
dos limites de uma concepção voltada para o estilo clássico. Em quaisquer das
duas gravações está atestada uma "técnica" rara que nos parece nova
mesmo diante das referencias atuais que as utilizaram como base. Mas é o
intangível elo dessa técnica com a concepção musical correspondente que pede
que se retorne ao passado conceitual grego se quisermos entender a contribuição
musical dos Irmãos Abreu. Até porque a indicação formal desse passado
conceitual é a orientação no sentido da obra - nesse caso, da obra de arte
interpretativa, é um "permanecer ao lado da obra" para aprendermos a
pensar mais profundamente a interpretação musical. É isso o que define uma
abordagem originária de um conceito,
uma expressão fundamental para Heidegger na sua análise da obra de arte: aquilo
que foi pensado primeiro, que sempre impulsiona para novas percepções, que está
na origem e por isso origina novos acontecimentos; aquilo que nos reúne em
torno de uma referência para a qual podemos voltar, sempre convictos de retirar
dali algo de atual.
Essas duas gravações diferentemente
orientadas e igualmente interessantes do mesmo estudo de Sor ensinam algo de
fundamental sobre a performance, que é um campo em desenvolvimento da atividade
musical acadêmica. E, nesse contexto, propomos que seja pensada a expressão abordagem originária da obra de arte. A performance, subárea de pesquisa surgida
da reflexão das Práticas Interpretativas, não é apenas uma reunião de
habilidades no campo da técnica, do controle da dinâmica, do planejamento do fraseado
e do conhecimento do estilo, mas, sim, uma investigação, através da abordagem
das obras, de como esses diferentes domínios configuram diferentes poéticas e de
como essas poéticas dialogam com a
herança histórica, redefinindo-a. Nesse contexto, há muito mais do que o
que entendemos por uma técnica superior (correção de meios para se chegar a um
fim musical). No exemplo citado, podemos ouvir não só momentos diferentes de
realização da mesma poética, da mesma
concepção musical, mas também presenciarmos o modo como essa concepção
particular reúne a prática performática anterior. O impacto do registro dessa
performance reside exatamente em mostrar um diálogo pleno com sua tradição
interpretativa.
Essas gravações têm a eloquência
retórica que a antiga filosofia pré-moderna evocava para falar da experiência
fundamental do pensamento. Elas também nos remetem a uma experiência
fundamental da escuta, onde o marco zero de uma escuta reduzida leva à
plenitude de uma riqueza de detalhes controlados advindos da tradição
segoviana. Nesse terreno, no caminho "onde o som adquire sua ressonância",
para citarmos Heidegger, cada nota tem seu valor na construção de uma concepção
particular do que seja a música de Sor ou Paganini, e essa construção no seu
todo desvela um caminho de comprometimento musical que entende a diferença na
igualdade, percebe a antiga oposição entre o uno e o múltiplo, o geral e o
particular, o eterno e o finito. Trata-se da manipulação de uma variedade
sonora controlada e estável, de uma homogeneidade sonora inquieta e pulsante a
nos explicar e expor a estrutura, o fraseado, a elaboração motívica e todos os demais
elementos presentes em uma escuta analítica. É necessária uma nova reflexão
sobre arte para entendermos a contribuição musical de Sérgio Abreu. A isso nos
dedicamos ouvindo a interpretação fundamental de Gadamer, ao dizer do que a
arte nos diz quando nos move essencialmente: "Tu precisas mudar a tua
vida". Para abordar a contribuição de Sérgio Abreu, o próprio conceito de
técnica precisa ser revisado.
Atualidade da tekné no contexto da antiga poiésis;
A tekné era entendida como um modo de ver o material no contexto da
poética, como a episteme era usada
para se referir a um modo de ver o objeto no contexto da ciência. Trata-se, nos
dois casos, das condições de possibilidade de que o material ou o objeto
existam, no modo próprio de ser desvelado pela arte ou pela ciência. Aqui, a
realidade da natureza; ali, a matéria-prima de um construto artístico. Torna-se
então essencial o efeito fundamental buscado na arte, seja a tragédia, a
comédia, a música ou a narrativa épica, braços constituintes da mesma obra da
antiguidade Grega que a ópera italiana seiscentista procurou reviver. Esse
efeito era a catarse, o reencontro consigo mesmo por parte da audiência cúmplice
dos processos da narrativa artística. O enriquecimento da existência advindo
das condições de consciência racional e emocional
sustentados pela atividade artística se tornou tema das orientações de Platão para
a vida em sociedade. Mas com muito mais propriedade a geração de artistas abalados
pelo fenômeno artístico procuram, no exercício desta ou daquela arte exemplar,
uma continuidade do fenômeno fundamental evocado pela grandeza da realização de
pensamento que há nesse campo. Assim prossegue, paralela ao triunfo da ciência
moderna, a atuação humana no território dos perceptos,
que é, para Deleuze, o terreno da percepção: distinta, porém irmã da
conceitualização. Aqui, como nas gravações de nosso homenageado que nos chamam
para estar sempre uma vez mais e de maneira nova junto da obra de arte
interpretativa, ressoa ainda o chamado de mudança da arte que Gadamer atualiza.
Tocar um instrumento e visar ao necessário desenvolvimento da técnica passa a
ser, depois de uma escuta apurada dos irmãos Abreu, uma questão profundamente
musical. Técnica e música não se separam, mas isso é menos evidente do que
dizemos e fazemos no cotidiano de nossas vivências musicais. O triunfo da
instituição dos concursos de música como pensamento dominante sobre a formação
musical sinaliza isso.
Pesquisar a estrutura da concepção
interpretativa de Sérgio Abreu é pesquisar a sua herança histórica e, ao mesmo
tempo, reconsiderar a nossa própria. Isso confirma o postulado fundamental da
hermenêutica contemporânea, tal como foi especialmente desenvolvida por
Heidegger e Gadamer: compreender o interpretado é compreender toda a tradição
na qual esse interpretado se encontra, ao mesmo tempo em que se compreende a
tradição na qual nós mesmos, como interpretantes, estamos incluídos e incluímos
nessa tradição o interpretado. A esse contexto é que chamamos "herança
histórica". Nunca um aprendizado subserviente de um modo particular de ver
a música, de tocar uma peça ou de abordar a sonoridade. A herança histórica é
sempre crítica e ao mesmo tempo devedora da tradição; e é tanto mais bem
recebida quanto mais bem compreendida no sentido de superá-la e aceitá-la. Esse
movimento duplo de compreensão não só define a hermenêutica, mas a constitui.
Estamos todos implicados no círculo hermenêutico antes do contato com o texto a
ser interpretado, e esse círculo determina a própria seleção desse texto,
mantendo em torno dele o movimento da compreensão. Isso vale para a partitura
como texto, mas também para a concepção poética e técnica. Sérgio Abreu tem em
sua herança histórica a contribuição de Adolfina Távora, que, tendo falecido
neste ano, parece estar cada vez mais presente por meio das homenagens de
violonistas, jornalistas, alunos e até mesmo de pianistas, como Arnaldo Cohen, que
também receberam a influência de sua instigante poiésis.
Que análise descritiva poderia se
referir melhor ou mais claramente ao caminho dessa herança histórica expressa
em uma concepção musical singular orientada por uma das maiores alunas de
Segovia, do que essa definição de hermenêutica como interpretação, como
compreensão que mantém em vista a tradição que lhe dá sentido? Como entender
melhor o círculo hermenêutico da interpretação do que acompanhando por meio das
gravações, que são o que nos resta de vestígios históricos, a forma com que
Adolfina fez crescer a inteligência musical dos irmãos Abreu na hoje quase
extinta relação mestre-discípulo? Essa relação determinou um contato mais amplo
possível com as mais diversas artes e músicas, especialmente as produzidas por
outros instrumentos, ou seja, por outras tradições interpretativas - aí está a
característica eminentemente crítica e compreensiva dessa já rica herança
histórica. Alguma investigação documental poderia revelar melhor do que essa
definição de hermenêutica o rastro da tradição pianística presente nos Irmãos
Abreu oferecida a eles por Dona Monina, recebida por sua vez das mãos do grande
pianista catalão, Ricardo Viñes? Que manifesto poético deixaria mais clara a
amplitude dessa experiência musical do que a audição orientada das cada vez
mais numerosas gravações que a generosidade de Sérgio Abreu disponibiliza para
nosso estudo, na ausência de uma atividade ostensiva como professor? Qual seria
uma recusa mais eloquente da industrialização da produção musical, equivalente da
mecanização do pensamento poético, do que o abandono das salas de concerto
realizado pelos irmãos pensadores-poetas, ao perderem o espaço da música feita
em casa cultivada por seus pais, seu avô e seus amigos violonistas? A música
era um alimento do dia a dia para sua mãe, Maria de Lourdes Rebello Abreu,
pianista e violonista amadora; para o avô materno; Antonio Rebello, célebre
professor no Rio de Janeiro; para o pai Osmar Abreu, aluno de seu sogro; e para
o dileto discípulo e assistente de Rebello, o violonista Jodacil Damasceno, que
fez as vezes de "parente musical" dos jovens promissores. Como
confrontar essa vivência com as turnês exigentes de concertistas de avião a
jato, aos quais muito cedo (antes dos 20 anos) foi imposta uma rotina de
produção de discos e repertório fora do tempo próprio da arte de artesanato que
eles aprenderam a fazer? Que declaração mais exata do valor característico
dessa poética do que a dedicação de Sérgio Abreu à lutheria, como se silenciando sua voz ele agora fornecesse o
instrumento flexível e adaptável à medida de cada compreensão poética? Nesse
sentido, mesmo sua atividade como luthier
reflete sua poética interpretativa. Para ele, o melhor violão é o que soa
diferente na mão de cada intérprete, é o que possibilita uma boa interação
entre a concepção musical e sua realização. Como resultado, ele projeta seus
instrumentos para possibilitar uma variedade de timbres, dinâmica e projeção
cujo resultado frequentemente é confundido com o de um instrumento difícil de
controlar. É possível ouvirmos violonistas tão diferentes, como Paulo
Pedrassoli, Eduardo Meirinhos ou Edelton Gloeden, o Brasil Guitar Duo ou o duo
Siqueira-Lima, partirem dessa mesma matéria-prima que reflete a concepção
poética de Sérgio Abreu. O máximo de recursos interpretativos possibilita uma
gama mais ampla de escolhas, mas obriga a fazer efetivamente uma escolha e
trabalhar para defini-la junto a tantas outras possíveis. Um bom instrumento,
nessa concepção poética, é o que se dá ao trabalho, ou seja, o que dá trabalho!
Como foi dito claramente por Heidegger sobre a condição da decisão, a escolha
obtida numa gama limitada de opções não é efetivamente nenhuma escolha.
Nos textos sobre a hermenêutica da
obra de arte de Gadamer, encontramos a palavra para o impacto que essa
contribuição musical e histórica (como é o caso de qualquer grande poética que
confronte algum nível de compreensão da própria tradição) produz ainda hoje
sobre nós, que nos move em torno das obras musicais e da tradição violonística.
Uma análise descritiva do contexto dessa tradição revela as estruturas
intencionais, e é no descortinar da intencionalidade que diferenciamos
"intenção" e "descrição". Embora essas palavras se refiram,
ambas, a etapas da compreensão estrutural do fenômeno percebido pela
consciência intencionante, elas não esgotam o fenômeno da intencionalidade, construtiva
e perceptiva ao mesmo tempo, que nem sempre é dirigida por nossas intenções
manifestas. Esse é o campo trabalhado pela fenomenologia. Qual é a contribuição
dessa corrente filosófica para as ciências humanas, nas quais se inclui as
diferentes abordagens acadêmicas da obra de arte? Confirmar a cumplicidade
entre sujeito e objeto, revelando as ligações entre eles que constituem um e
outro. Assim, aproximar-se da tradição musical que formou Sérgio Abreu pela
ótica do caminho de formação das Humanidades (História, Filosofia, Hermenêutica,
Fenomenologia, Musicologia, etc.) é construir o relato de sua formatividade na
qual se revela uma estrutura de intenções, entendimentos, seleções e
conhecimentos que, assim abertos pelo discurso, nos dão novas perspectivas como
artistas, pensadores, intérpretes ou professores. Esse caminho deve ser
construído por cada um no contexto de sua própria formação e tradição musical -
e é aí que reside a contribuição indispensável de Sérgio Abreu para o
pensamento poético das práticas interpretativas. Explica também a razão pela
qual sempre temos algo a compreender novamente ao passar nosso tempo junto a
esses registros históricos. Como nas obras de qualquer grande artista, o tempo
não desgasta as possibilidades de enriquecimento dessas gravações; ao
contrário, quanto mais conscientes de nossa tradição musical, mais rico é o
diálogo que podemos estabelecer com elas. Charles Chaplin foi elegantemente
contestado pelos cineastas quando afirmou que o seu maior inimigo era o tempo,
entendendo sua poética visual como algo restrito aos meios técnicos sobre os
quais ela se realizou. Pelos mesmos motivos, afirmamos que as gravações de
Sérgio e Eduardo Abreu têm mais a nos ensinar hoje, na medida em que a pesquisa
em performance se depura e se desenvolve.
Estar junto à obra
Não faltam, na contemporaneidade,
referencias musicais disponíveis. Entretanto, essa nova disponibilidade mediada
pelas ferramentas de conexão interativa carece de um componente essencial do
próprio ser-disponível, que é a existência ao lado da obra, essencial para que
a contribuição da arte se realize profundamente. Se por um lado a filosofia
hermenêutica nos esclarece algo da relação essencial entre obra, público,
artista e intérprete, por outro as contribuições de Sérgio Abreu tornam
palpável o argumento de Gadamer, segundo o qual a arte é um convite à
transformação de nossa vida. O violão e a responsabilidade perante nossa
herança histórica não podem ficar intocados após o contato com essa poética que
redefine os fundamentos da arte interpretativa. E a hermenêutica propõe o passo
fundamental para reconhecermos a necessidade de nos estabelecer ao lado dessa monumental
tarefa de compreensão musical, que hoje trazemos para o olhar o mais amplo
possível, mantendo presente o diálogo com o violonista Sérgio Abreu, essa bela
releitura da tradição interpretativa ligada ao violão. Em todos os ramos da
pesquisa, seja lá de que maneira for, desde o estudo do instrumento, a
investigação de seus fundamentos, métodos de ensino, abordagens analíticas até
a programação de carreiras e repertórios, abordagens de técnica, enfim, todas
as possibilidades de configuração de nossas vivências musicais, o diálogo com
Sérgio Abreu tem muito a enriquecer. Continuar essa tradição dentro da
indicação formal de Gadamer e da hermenêutica em geral é compreender esse
grande artista ao mesmo tempo em que compreendemos nossa própria tradição, que
se fundamenta nas referências que ele mesmo determinou. A continuidade no
diálogo, para finalizar com uma expressão gadameriana, nos parece ser uma autêntica
conclusão. Uma resposta adequada diante de sua contribuição.
BIBLIOGRAFIA
HEIDEGGER, Martin: A origem da obra de arte. Tradução:
Maria da Conceição Costa. Lisboa, Edições 70, 2005. (primeira edição: 1977.
Publicado pelo autor em 1950).
NUNES, Benedito.
Hermenêutica e Poesia. O pensamento
poético. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.
GADAMER, Hans-Georg:
Hermenêutica da obra de arte. São
Paulo, Martins Fontes, 2010.
[1]A
palavra "concerto" vem do latim "concerere",
que significa "reunir". Pretendemos com isso, enfatizar a idéia
de reunião entre a reflexão filosófica e musical, numa tentativa de superar o
antagonismo entre prática e teoria.