quinta-feira, 27 de outubro de 2011

DUOS DE VIOLÕES, por Gilson Antunes

O duo de violões é, certamente, uma das primeiras e principais formações camerísticas em que um violonista se envolve. Seja em casa com um irmão ou o pai violonista, seja no conservatório musical com algum colega, ou mesmo mais tarde, profissionalmente, em algum momento um profissional do violão toca nessa formação.

O repertório para duo de violões segue basicamente a trajetória do repertório para violão solo. Da renascença, encontramos as músicas para dois alaúdes, muitas delas de autores anônimos, e outras de coletâneas de músicas (como o Jane Pickering´s Book, de 1916, que contém as famosas Drewries Accordes e Le Rossignol). Do período barroco há muitas transcrições que já fazem parte do repertório dessa formação, como as de autores como Rameau, Scarlatti, Vivaldi, Cimarosa e, principalmente, Bach. Deste último há principalmente arranjos para Prelúdios e Fugas de O Cravo bem Temperado. Em geral os violonistas aproveitam o repertório para teclado, alguns dos quais se adaptam perfeitamente a essa formação.

Mas foi no período clássico/romântico que surgiram algumas das principais composições para duos de violões. Obras de autores como Scheidler, Carulli, Giuliani, Sor e Coste fazem parte do repertório dos principais duos em todo o mundo. A obra mais conhecida talvez seja o primeiro Divertimento Opus 34, intitulado L´Encouragement, do espanhol Fernando Sor. Este também compôs a obra Les Deux Amis, dedicada ao seu parceiro de duo, Dionísio Aguado (ambos chegaram a morar juntos em Paris). O francês Napoleón Coste, por sua vez, também compôs (entre outras músicas para essa formação), em substituição à orquestra do Concerto Opus 36, de Mauro Giuliani, uma parte para um segundo violão, formando assim um duo de violões para essa música.

Já no século vinte, ainda na era dos discos de 78 rotações por minuto, Emílio Pujol e Matilde Cuervas fizeram a primeira gravação de um arranjo da Dança Espanhola, da ópera A Vida Breve (1905), de Manuel de Falla. Ela se tornou uma obra-chave para os duos de violões, quase obrigatória em concursos e recitais. Ainda do repertório espanhol de transcrições, obras de autores como Albeniz (El Puerto, Córdoba, Invocación) e Granados (Intermezzo da ópera Goyescas) também estão entre as favoritas dos duos de violões. Outro discípulo de Tárrega, Miguel Llobet,
também fez algumas históricas gravações em meados da década de 1920, dessa vez com a argentina
Maria Luisa Anido.

O primeiro duo de violões a atingir grande projeção e status de mito dessa formação foi aquele formado por Ida Presti e Alexandre Lagoya. Ambos se encontraram em 1952, casaram-se no ano seguinte e logo iniciaram uma carreira de quase 15 anos, com mais de 2000 concertos, até a morte de Ida Presti, nos Estados Unidos, em 1967. As gravações desse duo para o selo Philips estão entre as principais do violão no século vinte não apenas pela excepcional qualidade técnica, mas também pelo bom gosto do repertório. Nesse quesito, eles tiveram uma importância ímpar: compositores como Castelnuovo-Tedesco, Pierre Petit, André Jolivet e Joaquín Rodrigo compuseram especialmente para o duo.

Após o Presti-Lagoya, apenas dois outros duos de violões atingiram um nível de alta expressão artística, tocando também em circuitos de música clássica em geral: os duos brasileiros formados pelos irmãos Sérgio e Eduardo Abreu e Sérgio e Odair Assad.

Duos ocasionais também foram formados por importantes violonistas, sendo o mais prestigiado o formado por dois outros mitos do violão: Julian Bream e John Williams. Ambos gravaram três discos e deram recitais bem-sucedidos na década de 1970. Podemos citar ainda os duos formados por Narciso Yepes e Godelieve Monden (que gravaram pela Deutsche Grammophon) e Kazuhito Yamashita com o guitarrista Larry Corryel.

Entre os duos importantes, podemos citar Michael Newman e Laura Otman (EUA); Evangelos e Liza (Grécia); Garau-Millet (Argentina); Montes Kircher (Alemanha) e Pomponio Zarate (Argentina); Eden Stell (Inglaterra) e Katona Twins (Hungria).

BRASIL
Muitas das primeiras gravações para violão no Brasil, ainda em discos de 78 rotações, foram gravadas em dois violões. Violonistas compositores, como João Pernambuco e Mozart Bicalho, fizeram gravações dessa maneira, no estilo de melodia acompanhada. Diversas músicas, quando publicadas, foram arranjadas para violão solo, perdendo parte de sua função e de seu brilho original.

Entre os primeiros duos brasileiros mais conhecidos estão os formados pelos irmãos cearenses, Antenor e Natalício Moreira Lima, mais conhecidos como Índios Tabajaras. É tido que ambos fizeram a viagem ao Rio de Janeiro a pé, com suas famílias, numa caminhada de três anos. A carreira do duo se estendeu de 1945 até a morte dos integrantes. Eles gravaram mais de 48 LPs e excursionaram por diversos países, como Estados Unidos, México, Venezuela e Argentina.

Em 1964 Turíbio Santos gravou um excelente disco em duo com seu professor, o uruguaio Oscar Cáceres, disco que influenciou outros duos brasileiros. Entre as faixas gravadas estão L´Encouragement, de Fernando Sor; a Dança da Vida Breve, de Manuel de Falla; e El Puerto, de Isaac Albeniz. Essas mesmas músicas foram gravadas mais tarde por aquele que é considerado um dos maiores duos da história do instrumento, o dos irmãos Sérgio e Eduardo Abreu.

Sérgio e Eduardo iniciaram suas carreiras ainda na década de 1960, quando eram bastante jovens (Sérgio nasceu em 1948 e Eduardo, no ano seguinte). Com uma gloriosa carreira de três LPs (infelizmente nunca lançados em CD), excursões por vários países e avaliações entusiasmadas dos mais renomados críticos, o duo infelizmente encerrou suas atividades em 1975, deixando uma aura mítica e diversas gravações não oficiais que estão entre as melhores já realizadas por qualquer
violonista em qualquer época. O LP com os Concertos para dois violões e orquestra, de Castelnuovo-Tedesco e Guido Santórsola (gravados com a English Chamber Orchestra), em especial, é digno de figurar entre as melhores gravações da história do violão. O concerto de Santórsola, de 1966, foi escrito e dedicado ao Duo Abreu quando Sérgio e Eduardo ainda não tinham 18 anos de idade.

Os irmãos Sérgio e Odair Assad também estudaram com a mesma professora dos irmãos Abreu - Monina Távora, infelizmente falecida neste ano de 2011 - e se tornaram dignos sucessores do Duo Abreu a partir do final da década de 1970. O primeiro LP do Duo Assad foi gravado em 1977, já contendo um concerto de Radamés Gnattali, para dois violões, oboé e orquestra de cordas, dedicado ao Duo Abreu. A partir daí veio uma carreira também gloriosa que perdura até os dias de hoje. Seu principal disco talvez seja o de 1987, intitulado Alma Brasileira, em que eles tocam um repertório instrumental brasileiro que é a marca do duo, nitidamente sua preferência artística. Ainda na década de 1980 Astor Piazzolla dedicou ao Duo Assad o Tango Suite, uma das obras-chave do repertório para essa formação no século vinte. Pela quantidade de duos inspirados por esses irmãos em todo o mundo, pela quantidade de duos que eles orientaram e pela quantidade de músicas dedicadas a eles, não é exagero afirmar que o duo Assad é o duo mais influente da história dessa
formação, ao lado do Duo Presti-Lagoya.

Outro importante duo que surgiu em seguida no Brasil foi o formado por Luis Carlos Barbieri e Fred Schneiter, no Rio de Janeiro. Esse duo fez importantes gravações e recitais, sendo infelizmente interrompido pela morte prematura de Schneiter. Barbieri continua sua carreira como solista e organiza um dos principais eventos violonísticos anuais no Brasil em memória de seu companheiro de duo.

Atualmente há no Brasil pelo menos dois grandes duos de violões com carreiras internacionais: o Brasil Guitar Duo e o Duo Siqueira Lima. O primeiro foi vencedor do Concert Artist Guild International Competition e gravou a obra integral de Castelnuovo-Tedesco para essa formação pelo Selo Naxos. O segundo excursiona regularmente por diversos países em todo o mundo e também fez algumas importantes gravações.